22/01/2011

Há datas de Amigos que se comemoram. Parabéns.

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propósito
quadriculado será a exaltação de toda a realidade-pensada assente num princípio quaternário de produção artística, como reacção espontânea a um realismo meramente descritivo, falho daquela força interior que leva à universalização dos mitos.

Augusto Mota - Coimbra, 1959
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génese
...E um dedo enorme saiu do vácuo e atravessou o espaço neutro que separava a escuridão do indefinido do plano da realização futura. E o dedo cresceu e o dedo aproximou-se cada vez mais da realização que a si mesmo impôs. A superfície já lá estava. Branca e morta, branca e sem vida. Mas uma luz roxa quebrou o movimento silencioso do dedo enorme que se deslocava no espaço e veio anunciar a vida futura, veio dizer como a cor seria vida e o branco deixaria de ser morte, como o preto era a cor mais garrida e como esse preto era uma mistura de todas as cores.
Foi então que os dois mundos entraram em conflito e com a energia activa de um e a mórbida passividade do outro, um neutro intermediário iniciou a génese do desconhecido ...
O dedo enorme criou um turbilhão de círculos de cores contrárias e decrescentes que se espalhavam pelo horizonte e quase tapavam as montanhas que lá ao fundo o amarelo triste do sol poente fazia realçar. E os círculos em turbilhão moviam-se sem cessar e as cores sucediam-se como fumo ... (...)
in quadriculado, p.5

Quadro de Augusto Mota, «Vórtice, ou a génese do feto nuclear», 30 x 40 cm, óleo sobre cartão, 1958.
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NINGUÉM

Procurei-te
numa noite fria
entre publicidade de neon
gritando produtos conhecidos.

Procurei-te em ruas largas
cheias de montras caras
e de caras enjoadas
de quem não tinha nada que fazer.

Procurei-te em ruas estreitas
cheias de lojas humildes
onde pairava um cheiro a luz
de vendedor ambulante.

Procurei-te em becos
onde silhuetas de amor perturbado
me fizeram regressar
às ruas cheias de montras caras
onde já não havia caras enjoadas
de quem não tinha nada que fazer...

AUGUSTO MOTA, in AINDA - folha de poesia ilustrada - Coimbra, 15 de janeiro de 1958



5 comentários:

mariagomes disse...

o meu abraço ao Augusto Mota! é um amigo muito querido.

maria

Benó disse...

Agradeço a visita ao meu Jardim.Há sempre uma flor a agradecer as visitas amigas.
Virei, aqui, mais vezes a este espaço diferente mas por onde me foi agradável passear.
Um bom fim de semana.

map disse...

Não conhecia este "quadriculado",mas a qualidade da escrita e da pintura estão bem vivas neste "pedaço do Augusto Mota. O quadro tem algo de surrealista.

Augusto Mota disse...

O ambiente "surrealista" do quadro, e de todos os meus trabalhos, quer literários, quer plásticos, são fruto não de uma adesão a qualquer corrente ou modismo passageiro, mas de uma vivência muito sentida, até à dor da própria alma, de todas as minhas experiências de vida desde criança. Foram tais "viagens" catárticas que me ajudaram a viver e a sobreviver. Por tudo isto, prefiro caracterizar tal ambiência como onírica.
Ainda hoje os sonhos continuam a povoar-me o sono, sem que, muitas vezes, encontre o caminho certo para sair dos labirintos, cujas paredes se vão, aflitivamente, apertando à volta do corpo, fazendo-me acordar para uma outra realidade mais real, mas não menos sofredora!...

Carlos Ramos disse...

Parabens

pelo rasgo
pelo traço
pelo espaço

agradeço