25/04/2012


*

Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen



*

fotografia da net manipulada por fernanda s.m.

Poema a Salgueiro Maia
Ele ia de Santarém
a caminho de Lisboa
não sabia se ganhava
não sabia se perdia.
Ele ia de Santarém
para jogar a sua sorte
a caminho de Lisboa
em marcha de vida ou morte.
E dentro dele uma voz
todo o tempo lhe dizia:
Levar a carta a Garcia.

Ele ia de Santarém
todo de negro vestido
como um cavaleiro antigo
em cima do tanque verde
com o seu elmo e sua lança
ei-lo que avança e avança
ninguém o pode deter.

Ele ia de Santarém
para vencer ou morrer.

E em toda a estrada o ruído
da marcha do Capitão.
Eram lagartas rangendo
e mil cavalos correndo
contra o tempo sem sentido.
E aquela voz que dizia:
Levar a carta a Garcia.

Era um cavaleiro andante
no peito do Capitão.
E o pulsar do coração
de quem já tomou partido.
Ele ia de Santarém
todo de negro vestido.


Manuel Alegre

1 comentário:

Amélia disse...

Gostei do conjunto.Não cohevcia(ou não me lembrava?) do último, o do Manuel Alegre...Abraço e viva a liberdade!