Foto de Augusto Mota.
29/11/2008
27/11/2008
Dos afectos.
É/foi a “nossa”escola : é/foi a “minha” escola.
Numa pequena tertúlia informal, e, por isso mesmo, fazendo passar de experiência em experiência, de história em história, de recordação em recordação, quais contas de um rosário partilhadas, os afectos de ontem de hoje e de amanhã, percorreram-se memórias e esperanças.
Mas os afectos não se espraiam nem se estiolam só pelas pessoas que foram e as que estão – professores, alunos, funcionários auxiliares. Eles arreigam-se também aos hábitos, às atitudes e ... aos objectos !
E assim o manifestou uma colega nossa, despedindo-se de um objecto, muito importante, (sem dúvida!) que foi muito curiosamente substituído. E eu, docemente aposentada, desconhecia inocentemente esse facto !
Aqui deixo o seu lamento e nostalgia que partilho solidariamente!
Do Livro de Ponto
Eis aqui um testemunho. Uma homenagem (?). Uma despedida. Porque o livro de ponto[1] deixou de o ser. Ou quem deixou de ser foi o De Ponto? Depende…. No início da minha carreira, decididamente ele era De Ponto. No final da carreira dele… era já o livro de ponto. Pois é, ele viu-me entrar, eu vi-o sair.
Teve uma vida atribulada, esse tal De Ponto. Acordava cedo e deitava-se muito tarde! O dia era longo! E passava diariamente por muitas e variadas mãos. Elas eram as másculas. Elas eram as sensíveis. Elas eram as gretadas e ásperas das oficinas. Elas eram as bailarinas dos bordados e tapeçarias. Eram as rápidas e ágeis das máquinas de escrever. Eram também as sapientes, as poéticas, as artistas…As bem-tratadas. As maltratadas. As sem-verniz e com-verniz. Ficou um entendido em mãos o tal De Ponto. Mas ele gostava…Não se importava nada, que eu bem via, de ser agarrado e levado para uma sala, independentemente de quem o levasse. Pois se ele ia registar o que se passava! Vigiava, anotava, castigava. Impunha regras. Ditava leis. Lia poemas e histórias. Tentava ensinar as equações. Fazia experiências. Um senhor doutor, o De Ponto!
Começava o ano muito direitinho, bem encadernado, com fato de ir à missa ou a um casamento. Vaidosito, empinava-se todo nas mãos de quem lhe pegava. E havia tantos modos de lhe pegar. Oh se havia! Ou agarrado pela lombada e levantado no ar. Ou aprisionado debaixo dos sovacos… (E aqui ele sofria um bocado, engelhando o nariz, que eu também via) … Ou bem agarradinho, bem encaixado entre o braço e o peito. E, no meio desta variedade de posições, havia as masculinas e as femininas. Obviamente a primeira era masculina: os homens erguiam o De Ponto, não queriam intimidades de peito. A segunda era unisexo: homens e mulheres partilhavam o sovaco com o De Ponto. Pois em certos momentos, de mala e livros nas mãos, a melhor maneira de o transportar era, de facto, essa. Não que ele gostasse. Mas a terceira, ah, a terceira! Esta era obviamente a feminina: as mulheres davam-lhe o peito, amparavam-no, e então lá ia ele completamente embevecido, embalado, sabiamente encastoado no seio da sabedoria! Convenhamos que esta era a melhor posição…
Mas com o passar dos meses, depois de tanta mão, tanto sovaco, tanto peito, ele ia murchando, perdendo a cor, descolando as páginas! Os cantos enrolavam, escureciam. E o De Ponto já só queria livrar-se deste amontoado de gente que punha e dispunha dele, que não lhe dava um minuto de sossego, desejando então o tempo abençoado de rumar ao sótão para descansar, antes de iniciar outro ciclo de vida.
O De Ponto teve uma vida difícil, sim, mas cheia de peripécias! Assistiu a tantas mudanças! Democratizou-se. Tornou-se livro de ponto. Não que se alterassem as posições. Afinal, a natureza humana é o que é. Não se muda o modo de agarrar lá porque acontecem reformas. Portanto ele, na categoria de livro de ponto, continuou na mão, ao sovaco e ao peito. Mas, com o passar do tempo, com tanta reforma, tanta alteração, mudaram as mãos!!! Deixaram de existir as gretadas, as maltratadas, as bailarinas. (Sem-verniz houve sempre). As rápidas e as ágeis continuaram a ser rápidas e ágeis mas noutros teclados. Ficaram as restantes. E o nosso amigo continuou a estar presente, despudoradamente, em quanta sala existia. Até ao dia em que chegaram as tais das substituições. Sim, porque também lhe calhou a ele. Quando era De Ponto, não foi substituído, não senhora! Dominava. Mas tudo passa. E apareceu uma tal de máquina que não gostou nada, nada, das intimidades do De Ponto, mesmo depois de passar a ser livro. A desfaçatez foi tão grande, que agora já não se leva nada na mão, nem ao sovaco nem ao peito. Pior! Põe-se a mão num tal “de rato” e anda-se com ele para trás e para diante, sem haver, ao menos, um tapete em condições.[2] O que a gente escreve não fica apenas na intimidade do De Ponto, não! Regista-se tudo numa caixa com um olho de vidro que diz tudo a quem lá sabe entrar. E passou a exigir-se muito mais trabalho de mãos, porque todas elas têm que ser rápidas e ágeis, para além de serem másculas, sensíveis, sapientes, poéticas, artistas, bem-tratadas, maltratadas, com-verniz e sem-verniz. E o tal De Rato é um adolescente temperamental, teimoso e desobediente. E aqui nem as mãos nos salvam.
E vou terminar, livro, de outra maneira, choro. Não porque tu sejas passado. Mas porque eu começo já a ser…
Adeus, livro. De Ponto.
Maria José Franca - Leiria, 28 de Novembro de 2007
[1] Em Outubro de 2007, os registos dos sumários e das faltas dos alunos mudou do “livro” para o computador. Cada sala de aula foi equipada com um computador, respectivo teclado e “rato”. Facilitou a vida, porque as faltas dos alunos ficam imediatamente à disposição do director de turma.
[2] Inicialmente, o “tapete” para o “rato” era uma folha de papel…
*
Imagem - Desenho a computador de Augusto Mota.
17/11/2008
«Ekphrasis»
16/11/2008
14/11/2008
Parabéns, Zef !
Deixei cair uma lágrima na alfazema.
Até onde irá o cheiro roxo grená?
O quintal todo tem ar novo. É da água nas flores, e
ai Deus, que caminho vai levar?
Hei-de querer a força da água, que corre da chuva, e volta à terra.
Ai Deus, e que venha cedo,
e outra lágrima cairá na alfazema, e no alecrim, e na romã,e o tempo novo,
ai Deus, venha cedo!
“Conversitas” do Zef, in - http://vozromazeira.blogspot.com/
12/11/2008
5 anos de Nocturnos.
09/11/2008
« Ekphrasis »
Ilustrar um poema, ou um texto poético, não é necessariamente – nem deverá ser – a mera substituição do verbo pelo ícone, isto é, não é repetir em símbolos pictóricos, seja desenho, pintura ou fotografia, o que o autor das palavras já disse. É, outrossim, entrar na atmosfera que o autor criou, ou que julgamos que ele quis criar, e com a ajuda das nossas emoções, vivências e aparências, partir para a recriação de algo que, por vezes, até pode, aparentemente, contrariar o que é percebido de imediato pelo leitor. Isto exige uma leitura a dois níveis, não só no que respeita às palavras, como no que respeita à imagem. Há que saber fazer, em ambos os casos, uma leitura imediata e, depois, também de acordo com as aparências, vivências e emoções do leitor, fazer uma outra leitura mais profunda, que, por isso mesmo, pode ser diferente de leitor para leitor. O texto verbal e o texto icónico poderão ser, assim, tanto um ponto de partida, como um ponto de chegada a um outro, e novo, universo poético.
A net, com a possibilidade de fazer circular imagens de grande definição, veio provocar o renascimento da associação texto-imagem, facilitando experiências e criando um novo universo poético virtual, conquanto o possamos materializar com recurso à impressão informatizada.
Em http://www.palaciodasvarandas.blogspot.com/ fizemos várias experiências neste domínio, as quais exemplificam o ponto de vista acima referido, não só mediante «fotopoemas» (com o texto ìntegrado na foto), como através da simples aposição do texto por debaixo da fotografia. A vários autores foram enviadas, via e-mail, as mesmíssimas imagens e cada um reagiu à “provocação” de acordo com as suas pessoalíssimas emoções, vivências e aparências. Um processo contrário, portanto, ao do ilustrador de um texto.
Este processo de criação, já usado nas epopeias clássica e medieval, é, tecnicamente, denominado «Ekphrasis», ou seja, um poema, ou texto, escrito acerca de uma outra forma de arte visual, quer seja pintura, escultura, fotografia ou qualquer objecto com valor artístico. «Ekphrasis» é um termo grego que significa “descrição” e os poetas românticos serviram-se frequentemente de tal artifício, sendo um dos mais célebres a “Ode a uma Urna Grega”, de Keats.
Com recurso a fotografias minhas e de outros autores, ou a pinturas cujas reproduções encontrei na net, produzi a partir de 2005, até final de 2006, 150 «Legendas Íntimas», que sub-intitulei: «mini-textos sobre imagens-pretexto», as quais foram todas publicadas no blogue acima referido.
Seguindo o mesmo princípio, para o mesmo blogue (agora continuado em http://margensdapoesia.blogspot.com/), iniciei uma outra série de mini-textos, intitulada «Textos Transversais» (só motivados por fotografias), porque, com a experiência adquirida, podemos já teorizar que as palavras “atravessam” as imagens, dando-lhes o tal novo e outro sentido, que já estava presente em «Legendas Íntimas», palavras que mais não são do que um “atalho” para as emoções, vivências e aparências que sensibilizam e desafiam a imaginação do autor, enquanto espectador-leitor de uma qualquer fotografia.
Augusto Mota, 8 de Novembro de 2008
02/11/2008
No dia 2 de Novembro
Sonho. Não.
Velo? Venho do sonho...
Sinto a carícia leve, irreal, espraiada.
Dourada, também.
Como as dunas do deserto afloradas pelo sol que desperta, glorioso.
Vem, inebriante de aroma de flores brancas.
Gardénias da minha juventude, nardos do meu casamento.
Perfumes estremecidos pela sensualidade das noites quentes do verão.
Agora é já azul, fresca.
Onda do mar sereno brincando na areia que desperta do luar do plenilúnio.
Fecho os olhos com muita meiguice.
Não quero que a carícia se dilua.
Agarro-me a ela.
Pelas minhas mãos escoa-se apenas areia.
Do deserto.
Da beira-mar.
A carícia habita na minha memória.
Para sempre viva.
***
texto e foto: fernanda s.m.